A Constituição da República Federativa do Brasil
completou no ano passado vinte (20) anos de promulgação. Dita Constituição
cidadã, contém em seu texto alguns princípios e objetivos fundamentais
que norteiam um Estado Democrático de Direito. Dentre eles, há
que se destacar, respectivamente, o da dignidade humana e o da
promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No entanto,
para os monoculares têm sido letra morta, pois diuturnamente deparam-se
com toda espécie de aviltamento e ultrajes, sobretudo ante a inexistência
de lei que contemple a visão monocular como deficiência visual.
No esforço de preencher a lacuna legislativa e corrigir injustiças
há muito existentes, alguns políticos aguerridos e compromissados
com a inclusão social, propuseram projetos de lei para salvaguardar
os direitos inerentes aos monoculares. Assim foi o Projeto de Lei
n° 20, de 2008 (nº 7.460/06 na Câmara dos Deputados), que acrescentava
dispositivo à Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 - dispondo
sobre pessoas com deficiência - para incluir as anormalidades decorrentes
da visão monocular entre as que caracterizam a deficiência visual.
No entanto, o Chefe do Executivo vetou integralmente o retro projeto.
Em mensagem enviada ao Presidente do Senado Federal, o Presidente Lula justificou
de modo insubsistente os motivos do veto, o que lhe rendeu duras
e acertadas críticas por parte dos senadores Paulo Paim (PT-RS)
e Flávio Arns (PT-PR), ambos do seu próprio partido, quando em
plenário discursaram com eloquência acerca do malfadado veto.
De modo frágil, argumentou que um projeto de lei
não poderia dispor sobre a visão monocular individualmente, uma
vez que já havia outro projeto tramitando no Congresso Nacional,
no sentido de incluir os monoculares como pessoas com deficiência.
Trata-se do Projeto de Lei (PL) nº. 7.699/2006, que institui o
Estatuto da Pessoa com Deficiência, de autoria do ex-Deputado Federal,
atualmente Senador Paulo Paim.
Para extirpar a excrescência normativa existente
no Decreto federal n.º 3.298, de 20 de dezembro de 1999, ora em
vigor, há o Projeto de Lei de Iniciativa do Senado (PLS) nº. 339/2007
(já aprovado no Senado Federal e remetido à Câmara dos Deputados.Tramita
com o nº PL 4248/2008) , proposto pelo médico e Senador Federal
Papaléo Paes (PSDB/AP) que acrescenta dispositivo à Lei 7.853,
de 24 de outubro de 1989, regulada pelo antecitado e indigesto
decreto, uma vez que ao considerar uma pessoa com deficiência visual,
toma como parâmetro a acuidade visual no ‘melhor olho’, ou seja,
considera os dois olhos: um melhor, outro pior, como se a pessoa
com visão univalente tivesse o melhor olho, quando na verdade ele
só tem um olho.Inclusive este é o entendimento firmado pela Corte
Máxima de Justiça do país – STF. Desfaz o nó górdio ao pronunciar
que “a pessoa com visão monocular possui apenas um olho, nunca
dois. Assim, para a pessoa com visão monocular não existe o ‘melhor
olho’ uma vez que o outro não pode servir de comparação por ser desprovido de visão” (ROMS 26.071-1 – DF, Rel. Min. Carlos Britto,
DJE 01/02/2008).
Salientou ainda na mensagem, que em 26 de abril
de 2007 foi instituído o Grupo de Trabalho Interministerial – GTI,
com o intuito de avaliar o modelo de classificação e valoração
das deficiências utilizado no Brasil e definir a elaboração e adoção
de um modelo único para todo o País. Sustentou que uma lei como
a pretendida contrariaria tal tendência de unificação.
Diante da falta de conhecimento técnico-científico
que subsidiasse um parecer favorável à inclusão da cegueira monocular
como deficiência, a Coordenadoria Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, órgão de Assessoria da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República,
responsável pela gestão de políticas voltadas para integração da
pessoa portadora de deficiência solicitou à Associação Brasileira
dos Deficientes com Visão Monocular - ABDVM a indicação de um especialista
no assunto.
Numa busca minuciosa e primando pela excelência
do resultado, chegou-se ao nome do Dr. Harley Edison Amaral Bicas,
eminente cientista na seara da oftalmologia, com notoriedade junto
à comunidade médica brasileira e à latina americana.
Detentor de três pós-doutorados em nível internacional, ocupou
as cadeiras de Presidente e de vice-Presidente do Conselho de
Oftalmologia Brasileiro - CBO, órgão máximo da especialidade
no país. Assumiu as mesmas funções no Centro Brasileiro de Estrabismo
- CBE e como Presidente no Conselho Latino Americano de Estrabismo
- CLADE, Brasil. Exerceu, ainda, o cargo de vice-Presidente da
Academia Brasileira de Oftalmologia – ACADBO. Alberga em seu
curriculum uma vasta produção bibliográfica, composta de livros,
artigos completos publicados em periódicos, trabalhos completos
publicados em anais de congressos, apresentações de Trabalho
em congressos, conferências, palestras, dentre outras. Em sua
brilhante carreira auferiu vários prêmios e títulos. Na linha
de pesquisa defendida, estudou a motricidade e a visão binocular.
Ferrenho defensor da dedicação exclusiva em área
clínica, foi um dos poucos professores nesse regime no Brasil.
Ensinando, mas também atendendo a pacientes no Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – HCFMRP, da Universidade
de São Paulo – USP, Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia,
O Dr. Harley E.A. Bicas se deparou com pacientes com o drama psicológico
envolto pela visão monocular adquirida, ou para aqueles em que
o cérebro parou de enviar comandos, como ocorre, por exemplo, no
estrabismo e que pode resultar na ambliopia, temas de que o Dr.
Harley é profundo conhecedor.
A incapacidade de aceitar a perda permanente,
ou mesmo a possibilidade da perda da visão no olho sadio, o medo
da cegueira total, a perda da auto-estima e do amor próprio, relacionados
a um sentimento de anormalidade, de inadequação e, sobretudo, de
inadaptação em situações sociais acompanham os monoculares por
toda vida.
Com conhecimento de causa, o renomado cientista
detém a dimensão exata das dificuldades e limitações que permeiam
a monocularidade. Pensa “que a medicina é metade de técnica e conhecimento
e metade de compreensão e conforto que deve ser dado ao paciente”
.
Nos seus quase 24 (vinte e quatro) anos como médico,
entende, com muita propriedade, ser lamentável que um oftalmologista
possa achar que "uni" ou "mono"cularidade sejam "praticamente" idênticas à binocularidade. Que problemas oculares em um olho apenas não são
importantes, por não atingirem o outro olho; levando a um tratamento
apenas por medida “preventiva” da cegueira resultante, se o outro
também se perder.
Das ilações inarredáveis de Bicas depreende –
se que há incongruência reinante por parte de alguns profissionais
oftalmológicos que afirmam perfunctoriamente a respeito da normalidade
em se enxergar apenas com um dos olhos. Sendo assim, e diante da
inexistência de deficiência, Deus, ou a natureza, para os que se
dizem ateus, errou ao fazer o homem e os animais com dois olhos.
Afinal, apenas um seria suficiente.
Assim, em face da magnífica indicação, foi firmado
entendimento entre a CORDE e o Dr. Harley, e em 14/11/2008, no
prédio Sede da Procuradoria da República em Brasília, o notável
cientista proferiu palestra sobre a Visão Monocular contribuindo
com sua sapiência e expertise no intuito de dirimir qualquer dúvida
que porventura persista em não considerar como deficiente uma pessoa
que enxerga com apenas um olho, quer pela ausência do globo ocular,
quer pela funcionalidade deste. Arrematou o abalizado especialista
dizendo que “pessoas com visão monocular, absolutas ou relativas
são, inequivocadamente, deficientes”.
Após explanação apurada e tendo em vista o cabedal de informações
proferidas na palestra supramencionada, em cujo tema o Dr. Harley
é cátedra, parece desarrazoado perdurar o vazio legislativo no
tocante ao não reconhecimento da visão monocular como deficiência.
Diante do exposto em tela, almeja-se que as pessoas
com visão univalente sejam inclusas no novo modelo de classificação
das pessoas com deficiência que a CORDE pretende adotar no Brasil.
(1)Disponível em: http//buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4780108Z5
(2)Entrevista: Dedicação exclusiva. Disponível em: http://www.universovisual.com.br/publisher/preview.php?edicao=1005&id_mat=890